Relembre o samba da Mocidade Independente de Padre Miguel em 2023

Senhor que fez da arte mundaréu
Em Suas mãos, Padre Miguel
Concebeu a criação
Plantou Sua missão
Fez do sertão barro tauá
Jardim no agreste floresceu
Regado ao firmamento de meu Deus

A lida pra viver, da lama renascer
Marias e Josés
No céu que moram pés, raiz
Fiel retrato desse meu país

Segue o carro de boi, o peão no barreiro
Ó rainha bonita, sou teu rei cangaceiro
É a vida um xadrez pra honrar o legado
Quem foi que fez? Foi Deus do barro

Molha, Pedro, minha terra
Chão de estrelas de João
Traz, Antônio, minha amada
Padre Cícero Romão
Alumia o teu povo em procissão
Alumia o teu povo em procissão

Chega folia, chega cavalo-marinho
Lindas flores no caminho, o nordeste coloriu
E de repente essa gente independente
Faz da greda seu batente
Molda um pouco de Brasil

Amassa, deixa arder o massapé
Lá no meu Alto do Moura, um pedacinho de fé
A massa, força de Mandacaru
Lá do meu Alto do Moura eu fiz brilhar Caruaru

Ê, meu cardeá
Sou a chama do braseiro
Nordestino, retirante da saudade
Mais um filho desse solo pioneiro
Um artista esculpindo a Mocidade

Vídeo com o samba da Mocidade em 2023

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Enredo da Mocidade em 2023

O enredo da Mocidade Independente de Padre Miguel para o Carnaval de 2023 foi “Terra de Meu Céu, Estrelas de Meu Chão”. Este enredo homenageou os artistas do Alto do Moura, em Pernambuco, discípulos de Mestre Vitalino, um dos maiores nomes da arte figurativa brasileira. O tema destacou o legado cultural e artístico desses artesãos que transformam o barro em verdadeiras obras de arte, refletindo a riqueza e a tradição do artesanato nordestino​.

O enredo, desenvolvido pelo carnavalesco Marcus Ferreira, explorou a conexão entre a arte e a vida no sertão nordestino, ilustrando a importância cultural e histórica desses artistas no contexto brasileiro. O desfile celebrou o barro como matéria-prima vital para a criação artística e abordou temas como a força da criação divina, a resistência cultural e o cotidiano dos sertanejos​.

A Mocidade buscou, através deste enredo, valorizar a cultura nordestina e os artistas populares que moldam a identidade cultural do Brasil, trazendo para a avenida uma mensagem de resistência e celebração das raízes brasileiras.

Sinopse do enredo da Mocidade em 2023

Estas são as origens da Terra de meu Céu:

Deus, nosso Pai, foi o princípio. Firmou sua Criatura ao pó de argila. Soprou sobre Ela o fôlego da vida – a imagem e semelhança sublime do Criador. Plantou um jardim no Agreste e pôs ali os homens que tinha moldado. Fez brotar da terra vergéis repletos de mandacarus e xiquexiques – a força de Sua criação. Riscou no Barreto as primeiras margens do Rio Ipojuca, a fim de regar a vida das aves e dos animais do Campo. Pôs os astros no celeste firmamento, tomou o homem e o pôs para o lavrar e o guardar. Mas não foram as mãos de Deus; foram as de meu pai, Mestre de todos os discípulos deste vilarejo: Vitalino Pereira dos Santos do Alto do Moura – O Deus do Barro (Ref. Música, Petrúcio Amorim, Caruaru-PE).

Jericos galopam pela manhã repletos de saquinhos de massapés, a matéria-prima do nosso Senhor. Galhas de mamoeiros enfeitam as calçadas do povoado. O tauá descansa ao eterno, refém da inspiração divina. Fornalhas incessantes, tal qual o cardeá da luta matuta. Resiste o estuque, paredes guardam o âmbito majestoso do barro. Aporta a saudade e, nas capelinhas, o testemunho de Padim Ciço, à memória de Deus-Pai. Valei-me, pelo sempre! Peço-lhe que interceda por mais um dia de criação (Cenas revogadas pelo Livro Arte do barro e olhar da arte, por Pierre Verger – 1947).

Tabuinhas se preenchem da vida lá de fora. Sacadas narram a rota da roça. Imagine moldar a imagem da Criatura sem seu fiel escudeiro? Os boizinhos de tantas pelejas pelo sacolejar das loiçarias e alambiques, acompanhantes da luta destes meus irmãos. Irmãos que resistem à labuta de terras distantes e exalam o cheiro verde vindo dos canaviais – afã promovido pela branquinha, a companheira deste ofício. Feiras são salpicadas pelo colorido das frutas agrestinas. Animais fazem algazarra nas cestarias das quitandeiras. Milharais congregam pela quebra. Mãos afagam o algodão. Casas farinham um aferrado trabalho matriarcal. Prados de girassóis se voltam às cenas deste meu Alto – visões que inspiram gredas e amenizam o suor da lida.

Histórias modeladas no escapismo e cerimoniadas pelo Bispo Mané-Pãozeiro. Caçadores viram peões na busca por gatos-maracajás; lançam tarrafas aos doces riachos. Águas de reis e rainhas do Cangaço – seres híbridos mimetizados pela lenda das sereias. Cavalgam caracóis enamorados pelos rochedos que os margeiam. Torres observam o universo mítico de asnos armoriais. Monstros gráficos não espantam a sorte dos arvoredos. Quimeras lendárias reinventam a arte; peças configuram a vida como um grande jogo de xadrez no meio do meu Sertão.

Portinhas dos casarios são pertencidas à imagem dos três santos juninos. Santidades cúmplices do ciclo da vida apadrinham as fases vividas pelo sertanejo. Nascimentos guiados pela estrela-guia e amparados por presépios encantados. Procissões erguem santinhas vestidas de chitas que abençoam, com juras de amor, o atravessar da cidade. Preces de novenas espantam a agrura de toda tentação do deserto. Altares protegidos por faces angelicais das divindades. Mãos recriam imagens protetoras do barro-sacro de cada dia.

Brincantes figuram o Auto deste meu Mundaréu: cânticos entoados pelo repente dos Bacamarteiros; destino mambembe riscado pelas espadas dos Capitães do Reisado; flechas de caboclos erguem-se aos Jaraguás do Cavalo-Marinho; realeza segue ao passo dos Vassalos do Maracatu-Rural; Bandinhas de Pífanos bumbam fitas e flores para um Boi-Teimoso; Papangus reverenciam nossos astros; Mazurcas giram saias rodadas, como os sonhos que embalam um carrossel em verde e branco.

E em tudo que sonhar, olhe para o Alto!¹
Estas são as origens das Estrelas de meu Chão.

Severino Pereira dos Santos Vitalino, discípulo do Deus do Barro.
P.S.: Este é o inventário do país que queremos ser – surgido de uma prosa particular em um dia com o filho do Deus Vitalino. E de outros proseares com os discípulos dos Mestres Zé Caboclo, Manuel Eudócio, Manoel Galdino e Luiz Antônio. Legado figurado das grandes estrelas do Alto do Moura e que servem de sublime inspiração aos repentistas de Padre Miguel!

Autoria, Enredo, Pesquisa e Texto: Marcus Ferreira, Carnavalesco

Agradecimentos Especiais: Ângela Mascelani e Lucas Van de Beuque
Curadoria: Museu Casa do Pontal. Emanuella Vitalino e família. Serginho Brayner – a enciclopédia Caruaruense. Mestra Therezinha Gonzaga – Cidadã Patrimônio Vivo de Caruaru.
Revisão Textual: Henrique Pessoa.
Nota: ¹Frase da Mestra das Estrelas, Therezinha Gonzaga.
Vocabulário Matuto do Agreste:
Agrestina – Que vem do Agreste Pernambucano;
Barreto – Lugar de barro abundante;
Bacamarteiros – Grupo folclórico de repentistas;
Boi-Teimoso – Mesmo que boi-bumbá; Tira-Teima;
Cardeá – Queima nas fornalhas;
Galhas – Ramalhetes dos arvoredos;
Jericos – Mulinhas, jegues, cavalinhos de vida simples;
Jaraguás – Brincantes dos folguedos do Cavalo-Marinho;
Loiçarias – Utilitários domésticos de barro;
Mané-Pãozeiro – Figura popular do Alto do Moura – principal personagem da
obra de Mestre Galdino;
Marmeleiro – Ou Marmeleiro-do-Mato, árvore do Agreste utilizada para a
queima nas fornalhas;
Prados – Ou Campos;
Tauá – Tom alaranjado da cerâmica;
Tabuinhas – Prateleira de madeira que apoia a arte figurativa para apreciação;
Vergéis – Mesmo que pomares.

Caio Chagas de Assis

Sou jornalista e banguense. Nesse blog, tenho como objetivo escrever e organizar informações na internet sobre o bairro de Bangu e a região da Zona Oeste do Rio de Janeiro.

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