Samba da Mocidade Independente de Padre Miguel 2024

Meu caju, meu cajueiro
Pede um cheiro que eu dou
O puro suco do fruto do meu amor
É sensual esse delírio febril
A Mocidade é a cara do Brasil

Eu quero um lote saboroso e carnudo
Desses que tem conteúdo, o pecado é devorar
É que esse mote beira antropofagia
Desce a glote, poesia
Pede caju que dá
Delícia nativa
Onde eu possa pôr os dentes
Que não fique pra semente
Nem um tasco de mordida
Aí Tupi, no interior do cafundó
Um quiprocó virou guerra assumida

Provou porã, provou fruta no pé
Se lambuzou, Tamandaré
O mel escorre, olho claro se assanha
Se a polpa é desse jeito, imagine a castanha

Por outras praias a nobreza aprovou
Se espalhou tão fácil, fácil
E nessa terra, onde tamanho é documento
Vou erguer um monumento para Seu Luiz Inácio
Nessa batalha teve aperreio
Duas flechas e, no meio, uma tal cunhã-poranga
Tarsila pinta a sanha modernista
Tira a tradição da pista
Vai, Debret, chupa essa manga

É Tropicália, tropicana, cajuína
Pela intacta retina, a estrela no olhar
Carne macia com sabor Independente
A batida mais quente, deixa o povo provar

Meu caju, meu cajueiro
Pede um cheiro que eu dou
O puro suco do fruto do meu amor
É sensual esse delírio febril
A Mocidade é a cara do Brasil

Vídeo com o samba da Mocidade de 2024

Como foi o desfile da Mocidade em 2024?

A Mocidade Independente de Padre Miguel apresentou um dos sambas mais aclamados do ano, mas isso não foi suficiente para garantir uma boa colocação em 2024. O desfile sobre o caju rendeu apenas a 10ª posição, com 267,2 pontos, ficando 1,6 ponto atrás da Vila Isabel, última escola a retornar para o desfile das campeãs. A Mocidade abriu a noite de segunda-feira, no dia em que Castor de Andrade, importante figura da escola, faria 98 anos.

O desfile também marcou a reaproximação da escola com a família Andrade, com Rogério de Andrade, sobrinho de Castor, retornando ao convívio da escola, representado por sua esposa, Fabíola Andrade, devido a sua impossibilidade de estar presente. Fabíola, rainha de bateria, foi o rosto da família na Sapucaí.

Veja o vídeo o desfile:

Como foram as notas da Mocidade no desfile do Caju?

Apesar do mau resultado, os destaques da agremiação de Padre Miguel foram a bateria e o casal de mestre-sala e porta-bandeira. Em ambos os quesitos, a escola tirou 3 notas 10 e uma nota 9,9, que foi descartada, totalizando 30 pontos.

  • Bateria: 30
  • Mestre-sala e porta-bandeira: 30
  • Samba enredo: 29,9
  • Comissão de frente: 29,8
  • Harmonia: 29,8
  • Alegorias e adereços: 29,6
  • Fantasia: 29,5
  • Evolução: 29,4
  • Enredo: 29,2
Alegorias e AdereçosBateriaEvoluçãoMestre-Sala e Porta-BandeiraComissão de FrenteEnredoHarmoniaSamba-EnredoFantasias
Escolas
(por ordem de desfile)
J1J2J3J4J1J2J3J4J1J2J3J4J1J2J3J4J1J2J3J4J1J2J3J4J1J2J3J4J1J2J3J4J1J2J3J4Total
Viradouro9,91010101010101010101010109,9101010101010109,91010101010101010101010101010270
Imperatriz9,89,89,9101010109,910101010101010109,9109,9109,99,99,99,910109,910109,9101010101010269,3
Grande Rio1010109,91010101010109,91010101010101010109,99,79,99,9109,99,79,9109,99,99,8109,8109,9269,2
Salgueiro9,89,89,99,81010109,99,99,91010101010109,99,9109,99,99,91010101010101010101010109,99,8269
Portela9,89,99,99,89,99,910101010109,89,99,99,89,99,99,9101010101010109,99,89,9109,810109,9101010268,9
V. Isabel9,8101010101010101010109,99,89,99,89,89,9109,99,8101010109,99,99,910109,8109,89,910109,8268,8
Mangueira9,79,89,810109,910109,99,99,910101010101010109,99,99,99,99,91010101010109,9109,89,99,99,9268,8
Beija-Flor9,89,91010109,910109,99,89,99,99,9101010109,99,89,99,89,89,99,9109,99,8109,99,89,89,910101010268,5
Tuiuti9,89,89,99,91010109,9109,89,89,910109,810109,810109,89,99,910109,99,89,910109,99,99,99,89,89,8268,3
Mocidade9,69,79,9101010109,99,89,89,89,7109,910109,99,99,9109,79,89,79,79,9109,89,9109,89,910109,89,79,7267,2
U. da Tijuca9,69,79,79,910101010101010109,99,99,79,89,89,89,89,89,79,69,79,79,99,99,89,89,89,79,79,89,99,89,79,7265,7
P. da Pedra9,69,69,6109,99,89,99,89,69,69,79,69,99,89,89,89,89,79,99,99,79,89,89,89,89,89,79,89,9109,8109,89,89,89,8264,9

Veja também:

Enredo da Mocidade em 2024

O enredo da Mocidade Independente de Padre Miguel para o Carnaval de 2024 foi intitulado “Pede Caju Que Dou… Pé de Caju Que Dá!”. Esse tema é uma homenagem ao caju, fruta tropical emblemática da brasilidade e diversidade cultural.

A narrativa do desfile abrange desde a descoberta e uso do caju pelos povos indígenas até sua apreciação pela nobreza e expansão para terras estrangeiras, destacando o caju como um símbolo da identidade nacional brasileira. O samba-enredo faz referência a figuras históricas e culturais importantes, como Tarsila do Amaral e Jean-Baptiste Debret, além de trazer menções à cultura indígena e aos movimentos modernista e tropicalista.

A escolha do caju como tema foi inspirada pelo carnavalesco Marcus Ferreira, que se deparou com um vendedor de castanhas na praia, vestindo as cores da escola. A simplicidade e a riqueza cultural associadas ao caju motivaram a criação de um enredo leve e alegre, buscando resgatar a essência da Mocidade e seu papel na celebração da cultura brasileira​.

Para mais detalhes sobre o enredo e a letra do samba, você pode conferir Letras.mus.br e outras fontes relacionadas.

Sinopse do enredo da Mocidade 2024

Enredo: “Pede caju que dou… pé de caju que dá!”

Assumir completamente tudo o que a vida dos trópicos pode dar, sem preconceitos de ordem estética, sem cogitar de cafonice ou mau gosto, apenas vivendo a tropicalidade e o novo universo que ela encerra, ainda desconhecido” – (Breviário do Tropicalismo, Torquato Neto)

Carne de caju

O poeta sempre mira a própria terra ao trançar letras e alçar voos. Nada mais natural que ele e seus parceiros, além de outras inspirações, buscassem uma fruta nativa, farta e com certo capricho corporal para explodir em cores toda a revolução tropicalista. Pudera! A suculência agridoce que seduz os lábios, proclama a ciência, é mero penduricalho acessório. O fruto, no duro, está no alto, qual um cocar, black power ou coroa: a castanha. Mas quem é bobo de não se lambuzar com tudo?

No chão de inversões igualmente marcantes e da arte que passou a transgredir e realçar o profundo da brasilidade, nosso recado carnavalizado tá na mesa: o redemoinho antropofágico da Tropicália cravou os dentes também em carne de caju. Yes, nós temos pra chuchu! A partir dele, simbora abocanhar e sentir o país de tantas porções e sabores? Caldo de mel e travo, como o cotidiano, “a manhã tropical se inicia. Resplendente, cadente, fagueira, num calor girassol com alegria. Na geleia geral brasileira que o Jornal do Brasil anuncia…”.

Há um cajueiro de copa verdinha no lado esquerdo de todos os peitos, dizem. Pinta de rim, mas convite ao pecado. Caju-de-árvore, caju-anão, caju-rasteiro, caju grandão ou tímido, caju amarelo, rosado ou pra lá de vermelho. Protagonista de soneto composto, quiçá, na banheira de Vinicius: “consistência de caralho e carrega um culhão na natureza”. O materialismo elementar pelo avesso. Que mancha, que arde, que abunda! Que chove. Exagerado e a prumo. Tupi acayu a pau.

Cajuí or not cajuí, that is the question! Faremos dele carnaval!

Anacardium occidentale

E vamos de mergulho no passado contado em castanhas por tantos povos originários. Cada caju na cabaça, uma primavera. A tribo do indígena Porã, expulsa do lugar de origem, só encontrou felicidade quando floresceram as castanhas guardadas pelo sábio Tamandaré (seu avô), até então, perdidas. Veio a seguir o tempo de caju, de generosidade, já que a “noz que se produz”, além do beabá da Botânica, semeia fartura, lembrança e afeto. Nas cerimônias que envolvem o Torém, ritual sagrado dos Tremembés, os espíritos dos que cantaram para subir proseiam com os vivos. O entornar desbragado de mocororó, ou vinho de caju, hidrata a raiz das tradições – já que a festa esbarra na época de colheita.

Contam os sabidos que hordas do interior buscavam o litoral enfeitado pelas árvores abarrotadas. As ditas “Guerras do Caju” surgem assim, e antes de Cabral, mas ganharam adstringência quando as treze naus apontaram no horizonte. Aí, cresceu o olho gordo pra ordem de tonelada! O portuga logo melou os bigodões de interesse. O francês, mon amour, pôs na boca, manchou os bolsos e deu firma em célebre ilustração. Já ao dono real da terra… Bem, restou lutar – borduna em punho – contra as mumunhas do afanar institucionalizado, nosso amargor histórico.

E nem falamos do holandês, outro que não marcou bobeira naquele fuzuê: Nassau tratou de legislar, pôs carimbo e remeteu aos seus o presentinho inflacionado. Velas ao vento na contramão, estava arranjada a invasão – o caju-desbravador a fazer epopeia e pose de Tupiniquim Caju Fruit Company – pelo inverso itinerário das grandes navegações. Retorno à vista! The Brazilian Way Of Life natural reverenciado com rapapés e incrementado do lado de lá do oceano por monarcas e súditos.

Caju-rei

Mas, se até o nada asseado D. João topava um banho de gato marotíssimo na antiga Praia do Caju (com a intenção de se curar das picadas por carrapatos), e Pedro II era retratado como Pedro Caju pelas charges dezenovistas… Quis o fruto erguer o seu reinado nas bandas de cá mesmo. Em Pirangi do Norte (quina litorânea superior do país), no ano da libertação dos escravos, um pescador de nome Luiz Inácio plantou o danado que vestiu a faixa de “Maior Cajueiro do Mundo”.

No lugar de subir, a galhada se espichou para os lados, com a aparição de novas raízes ao tocar o solo. Danou a crescer sem freios. O “polvo” potiguar de tentáculos cheirosos fez fama e enumera colheitas a sumir da memória, espécie de refazenda em trajetória interminável. Sobre o pescador homônimo de presidente, seguiu os dias sempre próximo à criação improvável. Certa vez, bastante velhinho, sentou-se prum descanso à sombra de uma das ramificações e nunca mais acordou. Ciclo vital aromatizado pela árvore-sentinela.

Tudo parecia mar calmo, só que pintou contestação. O típico duelo de meninotes de calça curta acerca de quem ostenta o tronco de destaque entre a molecada. Recentemente, o autocoroado “Cajueiro-Rei”, nas franjas do Delta do Parnaíba, tratou de reivindicar o alto da rampa de campeão da fita métrica. No caso deste, há, ainda, trágica lenda indígena a tiracolo: espalham nos arredores que – cercados por mar de cavalos-marinhos, peixes-bois, tartarugas e golfinhos – dois guerreiros lutaram pelo amor da cunhã-poranga Jacira. Culminou em tragédia acompanhada de milagre.

Após a disputa, o perdedor emboscou o seu rival e a amada durante passeio em que colhiam cajus. Duas flechadas, ambos mortos. Foi, então, que a tempestade plena de raios e trovões do dia seguinte produziu cena mágica: no exato lugar do enterro do casal, emergiu a planta de dimensão extraordinária. Alguém duvida?

O quiproquó dos cajueiros inspira torcidas organizadas, teorias rocambolescas que fazem biólogos rebolarem um bocado nas explicações, tal de “mede aqui, mede acolá” longe do apito final do juiz. Mas, enquanto não existe régua com o devido amém de ambos os lados, o jogo é bom para a castanha-commodity e seu pedúnculo popstar: seguem campeões de audiência junto a paladares gringos e nossos. Autênticos reis do mundo. Reis à caju.

Caju-brasuca

Entre pelejas e causos assim da sabedoria dos povos – com delírios por excesso de caju fermentado nas ideias ou verdades incontestes –, o filho legítimo dessa aldeia gigante grudou feito “noda”. Expressão de memória coletiva, nos lábios de mel da literatura, economia musculosa, holofote dos anjos ou demônios que nos conectam ao sentimento e calorzinho de nação. Castanha-mátria, caju-pátria. Confidentes dos profundos quintais interiores.

Nas curvas do destino e dos desatinos de Macunaíma, tão metáfora da rotina brasileira, ah!, lá está o caju a marcar e serpentear os seus passos contraditórios. Acompanhante-anti-herói-espelho-meu. Caju-brasuca também na corda bamba com pincel na mão: a feira modernista de Tarsila em contraste com a “cica” memorial da melancólica aquarela de Debret retratando a escravidão. Haja caju nas tantas camadas sobre tela! Telas, por óbvio, da mais pura vida real extraída do pé. Pede caju que dou, pé de caju que dá.

Dá em tela de caju-caipi-pop, virado pra dentro industrialmente, enquanto as pernocas não bambeiam: a própria enciclopédia dos amigos pós-doutores na disciplina língua enrolada. Consistente, cortadinho em rodelas, do prato e da polpa, sabor agreste e cerrado, que encanta o doce e o salgado. Para quem quebra castanha coletivamente – alegoria da roda cronológica –, gosto de pertencimento compartilhado e laço. Ou mero pedaço, vá lá.

Tela do caju-família. Vitamina, crendice e mistura que nos inflamam. Do refresco, do licor, do suco. “Goiabada para sobremesa…”. O acorde da viola sussurrando saudades. E até compota ajeitadinha, fita e tudo. Remedinho da mamãe. Receita passada como herança no caderninho amarelado que não se empresta nem ao melhor amigo. Sujeito-elo entre a rua e a varanda. Toalha de mesa estendida e água na boca. Pinga. A regar brincadeira popular ou manifestação religiosa: da quermesse à curimba, do sambão ao batidão na esquina de casa.

Tela do caju-moleque. Com travessa de cajuzinhos a perfumar a vivência dos experientes – “quando você ia aos cajus, eu já voltava com as castanhas assadas”. Virou também recado reto ao vacilão que resolve brigar de bobeira: “ei, vai tomar caju!”. E segue o bloco! Que contorna a praça e abraça o cajueiro central, debruçado na fuzarca tipo anfitrião namorador. Rostinhos colados à malemolência do cancioneiro, o fim do baile traz o beijo da morena tropicana, vejam só. Pele macia, saliva doce, sim, vou lhe desfrutar. “Ô, iô, iô, iô…”.

Geleia geral

Natural que a geleia geral de sabores acima tenha, de fato, a alma da Tropicália, e aí pensamos outra vez no poeta: “existirmos a que será que se destina?”. A dúvida existencialista diante da ambivalência do fruto-não-fruta parece extrato nosso chupado de canudinho com aquele barulhinho sacana. Ora, fundamentalmente, existimos a partir da cultura popular e da riqueza exuberante sobre a terra fértil, inda que descuidadas. Eis que o Brasilzão mira a água cristalina do Atlântico e lá está peladão e sem vergonha: é o próprio caju jamais proibido. Travesso no trato, travoso um tanto, “totoso” no total.

Que mistério possui o torrão continental que goza flora pujante como fogos de artifício, e se entorpece da energia do povo na loucura de ser? Salada mista ardente de gritos ambulantes que vendem e consomem fertilidade, é mascate de prazeres até o talo. A alquimia desengonçada do rapaz metido a gato-mestre na barraca de caipirinha: “açúcar, dotô?”. Para esbanjar vida cajuína mergulhada em delirante cortejo made in sol e mar, desfile n’areia, curvas de sereia, sumo e pegada.

Um viva ao paraíso tropical que tudo dá e ao estado de festa indomável na relação entre gentes e chão – o melhor caju do pé de Brasil. Ou seria o melhor Brasil do velho cajueiro?

Alegria gaiteira, convenhamos, já muito experimentada no terreiro fervido dos independentes. Basta “olharmo-nos intacta retina”.

Na cabeça, uma estrela. No corpo suave, o rebolado passista e a pulsação do tambor. Que tal a deliciosa carne de carnaval, o salivar permitido, lamber os beiços longe de qualquer pingo de culpa?

Cá estou, “cajuinamente”, servida de bandeja com a dose de feitiço que me fez banquete desejado desde moça.

Vai, batida mais quente, e vê se leva o aroma do sonhado reencontro comigo mesma: sou dádiva que se alastra igual caju. Sou o fruto mais doce e sexy da capital da folia. Sou quem morde o seu coração…

Carnavalesco: Marcus Ferreira
Enredo: Marcus Ferreira e Fábio Fabato
Sinopse: Fábio Fabato
Presidente de Honra: Rogério Andrade
Presidente: Flávio Santos
Vice-presidente: Luiz Claudio Ribeiro

Caio Chagas de Assis

Sou jornalista e banguense. Nesse blog, tenho como objetivo escrever e organizar informações na internet sobre o bairro de Bangu e a região da Zona Oeste do Rio de Janeiro.

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